Comunicação Institucional

Cresce desinformação científica no Tiktok

Por: Isabela Pimentel26/out/2023
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Conhecido inicialmente pela viralização de ‘dancinhas’ e vídeos curtos de entretenimento, o Tiktok não para de crescer e atingiu, de acordo com a Statista (2023), a marca de 83,3 milhões de usuários brasileiros  na plataforma.

Devido ao potencial de entrega direcionada de conteúdo, a rede social tem sido palco de diversas ações entre marcas e criadores.  

Em resumo, o algoritmo do TikTok funciona através da análise de dados e comportamentos dos usuários para oferecer conteúdo personalizado e envolvente em seus feeds “Para Você”, com o objetivo de manter os usuários engajados.

Como funciona o algoritmo do TikTok?

O sucesso do marketing de influência no TikTok depende de autenticidade, criatividade e uma compreensão profunda de sua audiência.

Porém, um outro fato também chama atenção quando se analisa o contexto da desinformação: a quantidade de perfis que promovem ‘curas milagrosas’, vendem produtos sem quaisquer regulamentação e propagam conteúdos conspiracionistas e antivacina.

Desinformação científica no TikTok

Uma pesquisa da Universidade de Oxford (2023) aponta que a estrutura de monetização de redes sociais tem potencializado a atuação de perfis falsos e pseudocientíficos, que, utilizando suas infraestruturas digitais e técnicas de microssegmentação de anúncios, tem obtido sucesso na aplicação de golpes e venda de produtos falsos.

Recorrendo à estrutura dinâmica e interativa das redes para divulgação de conteúdo pseudocientífico, tais canais no Tiktok se apropriam de “narrativas de cura” para vender promessas de uma vida melhor e solução para todas as doenças.

De acordo com o estudo, conduzido pelo pesquisador da Universidade de Oxford, Aliaksandr Herasimenka e equipe, são três as táticas adotadas pelos perfis pseudocientíficos que se apropriam das affordances das mídias e redes sociais para promover golpes e alcançar mais pessoas por meio do uso da publicidade predatória:

  • Recorrer a gatilhos mentais, despertar emoções como raiva para criar conexão com as potenciais vítimas de golpes;
  • Utilizar vocabulário que finge ser científico, burlando dados, para agir ‘como celebridade’  e ‘autoridade’, impondo uma disputa discursiva com as fontes oficiais;
  • Transformar seu perfil na rede social em uma comunidade e movimento em torno de uma causa, recorrendo a fóruns online em grupos de Telegram e WhatsApp, para reforçar suas mensagens e teorias.

No Brasil, os estudos sobre análises de sentimentos e percepções sobre discursos pseudocientíficos nas redes sociais estão avançando, sendo uma perspectiva interessante apontada na pesquisa ‘A vacina no Instagram: estudo das emoções expressas no contexto brasileiro’ (2023),  dos pesquisadores Geilson Fernandes,  Luisa Massarani, Thaiane Oliveira,  Graziele Scalfi e  Marcelo Alves dos Santos Junior.

Por isso, é preciso um olhar integrado e cuidadoso para não encarar essa rede social apenas pelo viés tecnológico ou cultural, pois fatores como o sistema de monetização de criadores de conteúdo e o trabalho agressivo de oferta de recompensas  para quem assiste vídeos pode ser a ponta do iceberg que monetiza a indústria da desinformação científica.

Algoritmos e publicidade opaca

O coordenador de projetos do Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais da UFRJ ( Netlab/UFRJ),  Bruno Mattos,  explica que atualmente, o modelo de negócios das plataformas digitais consiste principalmente na veiculação de publicidade, com lucros que podem ficar inteiramente com estas empresas ou serem parcialmente divididos com seus criadores de conteúdo.

“A ausência de uma moderação efetiva e transparente da publicidade que estas plataformas veiculam deve ser encarada como uma escolha deliberada para não limitar suas receitas. Isso é uma consequência do modelo de autorregulação das plataformas, segundo o qual elas dizem seguir rigorosamente seus próprios termos de uso para garantir que não estão colocando em risco a segurança de seus usuários. No entanto, nossos estudos mostram que, na prática, os termos de uso das plataformas não impedem o impulsionamento de atividades ilícitas e potencialmente criminosas”, destaca.

Mattos acrescenta que essas ferramentas se baseiam em técnicas de microssegmentação, que permitem que anúncios sejam distribuídos de maneira extremamente personalizada, mesclando, critérios demográficos, com as manifestações e interações de usuários em seus perfis.

“Os algoritmos de distribuição de publicidade operam de forma opaca e não é possível indicar quais anúncios deveriam ser ou são, de fato, exibidos a cada um de seus usuários. Assim, se de um lado é difícil estimar o prejuízo causado por um anúncio fraudulento ou desinformativo, é fácil, para as plataformas, minimizar seu alcance e seus efeitos práticos”, complementa.

É notório o quanto o modelo de atuação do TikTok é centrado na geração de receita via publicidade. A plataforma oferece várias opções, incluindo anúncios no feed, ocupação de marca e desafios patrocinados.

De acordo com uma pesquisa divulgada pela Insider Intelligence (2023), em 2024, a receita publicitária global do TikTok pode atingir a quantia de US$ 23,58 bilhões de dólares.

Em uma breve pesquisa com as hashtags “cura natural” e “gripe”, era possível localizar diversos canais antivacina no YouTube, sobretudo, em épocas de campanha de vacinação contra a doença.

 Com a mudança de regras e Termos de Serviço das Plataformas, sobretudo YouTube, tornou-se mais difícil localizar esse tipo de conteúdo pelas tags, pois os creators antivacina parecem estar adotando novas estratégias de sobrevivência, como reduzir o uso de palavras antivacina nos títulos e descrições, para evitar que o conteúdo seja derrubado da plataforma ou denunciado.

Mas, o que acontece quando o conteúdo que foi ‘removido’ no Youtube já viralizou no Tiktok, naquilo que Innes e Innes (2021) chamaram de ‘contas minion’?

Elas funcionam da seguinte forma:   um vídeo pseudocientífico de um influenciador foi derrubado do Youtube após a mudança dos termos de Uso da Plataforma, sendo deletado ou ocultado das buscas. Porém, pelo fato desse influenciador ser forte na comunidade antivacina, centenas de cortes dos seus vídeos já se espalharam em grupos de WhatsApp, páginas do Meta, Reels do Instagram e vídeos do TikTok e até mesmo no Threads.

A existência de contas mínions é um tema muito relevante e que precisa ser analisado a fundo, pois põe em xeque a eficácia das estratégias isoladas de desmonetização de canais ou banimento de conteúdos, pois, do outro lado, esses vídeos e perfis já se espalharam e se ‘replataformizaram,’ ou seja, estabeleceram presença em outras plataformas, como aponta Rogers (2020).

No caso específico de curas milagrosas e pseudociência,  é possível mapear a existência de centenas de redes não oficiais de perfis que foram deplataformizados do Youtube, ao lado de comunidades de fãs e apoiadores, que sustentam e reproduzem trechos, sobretudo de vídeos migrados de outros canais (Ong; Cabañes, 2018).

Economia do clique x monetização e desinformação no Tiktok

Se forem considerados o atual potencial de crescimento dessa rede, as agressivas estratégias de remuneração dos criadores (creators) e a inexistência de regras transparentes quanto à monetização e impulsionamento de conteúdos desinformativos, é urgente e necessária a realização de pesquisas empíricas que correlacionem as affordances, regras de moderação, modelo de negócios e estratégias narrativas utilizadas pela comunidade antivacina nesse “novo” espaço.

Ao mapear atores, estratégias, recursos e conflitos informacionais existentes no TikTok, investigando o papel da comunidade de fãs, perfis mínions e contas não oficiais de perfis deplataformizados, será possível gerar dados mais aprofundados sobre o ecossistema desinformativo em torno de conteúdos fake science, questionar a eficácia da deplaformização e gerar indicadores sobre o grau de engajamento e forma de atuação desses perfis.

Possibilidades de transformação

A transformação desse cenário desinformativo, contudo, passa não apenas pela deplataformização, mas, especialmente, pela atuação das plataformas.

“As plataformas precisam investir, sobretudo, em mais mecanismos de transparência e se responsabilizar pelos serviços de publicidade. O primeiro passo deve ser a disponibilização de um repositório público de anúncios, a exemplo do que a Meta e o Google já fizeram no Brasil, ainda que com limitações latentes. O próprio TikTok já faz isso na Europa em decorrência do Digital Services Act (DAS), que entrou em vigor no fim do mês de agosto e a plataforma disponibilizou o Commercial Content Library, que cumpre esse papel”, finaliza o coordenador de projetos do Netlab/UFRJ.

Investir em iniciativas de auditoria pública da publicidade digital veiculada no Tiktok –  em que pesquisadores e organizações da sociedade civil poderiam conferir se, de fato, não só os termos de uso das plataformas estão sendo seguidos à risca –  mas também legislações locais e/ou nacionais,  permitiria identificar e responsabilizar os agentes que investem e se beneficiam da veiculação de conteúdo desinformativo, acrescenta Mattos.

É hora de encararmos as plataformas de forma mais integrada, investigando as infraestruturas digitais, lógicas de operação e os sistemas de monetização que tem permitido que a desinformação científica seja um negócio tão lucrativo, não apenas no mainstream, mas também no Tiktok e outras plataformas em crescimento.

Pesquisa e texto: Isabela Pimentel – Mestre em Mídias Digitais /UFRJ.

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